entrevista
Natália Falavigna Receita de uma campeã
Movida pela fé e pela dedicação, esta jovem atleta coleciona medalhas e fez do sonho uma carreira reconhecida mundialmente
Campeã Mundial Júnior aos 16 anos – com apenas 2 anos de treino –, Campeã Mundial Adulta aos 21 anos, 4ª colocada nos Jogos Olímpicos de Atenas 2004: esta é Natália Falavigna Silva, a primeira brasileira campeã mundial de TaekwonDo.
Esta paranaense, que se interessou pelo TaekwonDo ainda na adolescência ao assistir um treino numa academia perto do prédio onde mora, desde criança desejava ser expoente em alguma modalidade esportiva. Seu destino era brilhar, não importasse o esporte que escolhesse. Primeira atleta a conquistar uma medalha de ouro em Campeonatos Mundiais, tanto na categoria juvenil como na adulta, Natália coleciona medalhas obtidas em quase todos os eventos internacionais de que participou em 7 anos de carreira esportiva.
Dona de uma força de vontade incomum e de um perfeccionismo muito evidente, Natália é intensa em tudo que faz. Um simples treinamento é encarado pela atleta como uma verdadeira competição, e é assim que ela se aperfeiçoa para tornar-se a primeira brasileira campeã olímpica de TaekwonDo. Em entrevista concedida à Revista TaekwonDo, Natália revela os detalhes da projeção da carreira de uma campeã mundial.
Revista TaekwonDo: Como aconteceu sua iniciação no TaekwonDo?
Natália Falavigna: Bem, desde muito pequena eu queria ser campeã mundial em algum esporte, mas ainda não sabia qual realmente, até que certo dia, quando eu tinha 14 anos, fui com uma colega assistir a um treino em uma academia que ficava a 20 metros do prédio onde moro. Vi e gostei, e fui correndo falar com a minha mãe. Lembro muito bem deste dia, era um dia meio chuvoso, fui pra casa, sentei-me perto dela e disse que já sabia o que eu queria fazer na vida. Ela ficou meio assustada com aquele ar de seriedade que eu fazia, mas perguntou o que seria. Disse que queria ser campeã mundial de TaekwonDo. Ela ficou meio espantada a princípio. Minha mãe sempre foi muito religiosa e me falou que era para eu utilizar isto sempre como uma forma positiva de influenciar as pessoas, que eu fosse um instrumento para transmitir coisas boas para as pessoas. No dia seguinte estava matriculada na Academia Pequeno Tigre, em Londrina.
Nossa campeã, aos 3 anos.
RT: Tudo na vida tem seus prós e contras. Ser campeã do mundo também deve ter seus lados negativos. Isto atrapalhou você em alguma coisa, tirou sua liberdade em algumas ocasiões, o assédio, por exemplo?
NF: O assédio não chega a incomodar, as pessoas se aproximam de uma forma educada. É gratificante ser reconhecida pelas minhas conquistas, ainda mais na minha cidade. Percebo que aonde vou as pessoas me reconhecem, me incentivam, vêm pedir autógrafos. Nas competições vêm tirar fotos comigo. Acho isso tudo muito legal! Poder servir de espelho de uma forma positiva é muito gratificante. Além do mais procuro não me expor muito. Sempre fui muito caseira, nunca fui de festas, gosto de estar com minha família, meus pais, em casa.
RT: O que mudou da Natália campeã mundial júnior para a Natália campeã mundial adulta?
NF: Acho que houve um amadurecimento natural. A Natália campeã mundial júnior tinha o sonho de ser a melhor, não melhor que as outras pessoas e, sim, melhor do que ela mesma podia ser. A Natália campeã do mundo em 2005 continua a mesma, querendo cada vez mais se superar como pessoa e atleta e alcançar o próximo objetivo, que é ser campeã olímpica. A diferença entre as Natálias é que hoje sou uma atleta profissional, tenho uma equipe multidisciplinar que me auxilia e que está o tempo todo comigo.
RT: Durante a sua carreira competitiva, há algum momento mais importante que você possa ressaltar?
NF: Absolutamente todos os momentos, positivos ou negativos, foram importantes e colaboraram para o meu crescimento pessoal e como atleta. Porém há um em especial que eu poderia destacar, foi, digamos, o início de tudo e onde meu desejo de ser campeã mundial se fortaleceu ainda mais. Foi a primeira vez em que viajei para o exterior, somente 2 anos após ter iniciado meus treinamentos, para o Campeonato Mundial Júnior, em 2000, em Killarney, Irlanda. Ali, ao conquistar a medalha de ouro e estar no ponto mais alto do pódio, tive a convicção de que era possível, e que eu conseguiria ser campeã mundial adulta. Na noite anterior eu fui para o meu quarto sozinha e lá orei e chorei muito, pedi a Deus que me desse forças no dia seguinte e que acontecesse a vontade dele. E Ele me atendeu. Esta foi uma viagem, sobretudo, muito agradável. Todos os atletas tinham os mesmos sonhos e objetivos em seus corações. Os membros da comissão técnica não mediram esforços para atender todas as nossas necessidades. Enfim, guardo aqueles momentos com grande carinho.
RT: Por falar em objetivos, quais são seus próximos objetivos e com quantos anos você pretende encerrar a carreira competitiva?
NF: Bem, tenho objetivos a curto, médio e longo prazo. Só para se ter uma idéia, os Jogos Olímpicos são um objetivo a curto prazo. Enquanto muitos atletas estão preocupados só com esta olimpíada, eu penso em ser atleta por um longo tempo, desde que haja uma estrutura profissional, com pessoas competentes e com objetivos em comum. Quero ser bi, tri-campeã mundial, quero participar dos Jogos Olímpicos de 2012, 2016, enfim, enquanto me sentir competitiva e tiver condições, quero competir, de repente aos 30 anos, se eu me sentir bem, quero estar lutando.
Primeira medalha de natália, em 1999, então com 14 anos.
RT: Então vamos torcer para que você consiga lutar até os 60 anos. Porém, quando você sentir que é hora de parar realmente, o que você pretende fazer na sua vida?
NF: Apesar de pensar em competir por um longo tempo, já tenho algumas coisas em mente. É lógico que tudo vai depender do que eu fizer hoje. Penso em, talvez, ser uma empresária na área esportiva. Mas isso ainda é prematuro afirmar, quero lutar muito ainda, conquistar muitos títulos para o meu país.
RT: Nossas vidas não são construídas só de bons momentos. Os maus momentos também acontecem. Durante a sua carreira, houve momentos em que você pensou em desistir de tudo, abandonar o TaekwonDo?
NF: É verdade, os maus momentos também estão presentes nas nossas vidas, mas isso é bom, nos fortalece e ajuda a valorizar os bons momentos. Em 2003 passei por uma fase difícil na minha carreira esportiva. Foi uma fase depressiva, comecei a pensar que não conseguiria, enfim, pensei em abandonar o TaekwonDo e mudar de modalidade. Como eu havia praticado tênis durante a infância e tinha certa afinidade, pensei em retornar a este esporte. Cheguei até em procurar lugar para treinar em São Paulo, com os grandes treinadores.
Natália, recebendo o prêmio de Melhor Atleta Olímpica do Brasil, 2005. Ao lado o Presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman.
RT: Ainda bem que você mudou de idéia, mas o que te levou a retomar seus objetivos iniciais?
NF: Muitas pessoas me ajudaram naquele momento. Fico até com receio de citar nomes, pois poderei me esquecer de alguém, mas agradeço desde já as pessoas que estiveram ao meu lado. Uma figura muito importante nesta fase foi o meu preparador físico, Raymundo (Ray), e também sua esposa, Andréia. Todos os dias me ligavam para perguntar se estava tudo bem, se eu estava precisando de algo. Depois, também fui a um treinamento em Caeté-MG, já totalmente desacreditada do TaekwonDo e com a idéia fixa de mudar de esporte. Lá tive uma conversa muito aberta com um dos técnicos da seleção, que hoje em dia atua em outra função. Mas foi esta conversa, que na verdade foi uma grande “dura”, que me fez voltar aos meus objetivos. Lembro que ele foi muito duro comigo, me fez chorar muito, durante 20 minutos ele falou sem parar e depois disto virou as costas e foi embora. Comecei a andar meio sem destino, ainda chorando muito, até que fui parar numa parte alta da cidade, me sentei e fiquei olhando para baixo lembrando de tudo que eu já havia passado. Voltei para o treino da tarde, ele me colocou para lutar com um dos atletas e pediu que ele lutasse sério comigo. Lutei durante 24 minutos sem parar. Por várias vezes pensei em pedir para parar, mas agüentei até o final e percebi que era aquilo que me motivava, a capacidade de me superar era uma coisa que me motivava, era aquilo que eu amava de verdade, e foi aí que eu me decidi a manter e perseguir meus objetivos, e acabei conseguindo. Depois disso escrevi a ele, agradecendo por aquele dia, e entendi o que ele quis fazer comigo. As vezes acho que ele me conhecia mais do que eu mesma.
RT: Natália, você está cursando Educação Física, você pretende se especializar em alguma área?
NF: Bem, na verdade eu quero me formar em pelo menos duas faculdades. Educação Física porque eu gosto e está ligado ao que faço. Gostaria de estudar também algo além de esportes, como Relações Públicas ou Administração. Quero ter uma visão mais ampla das coisas.E depois quero continuar estudando, fazer pós-graduação, doutorado.
Natalia conquista a medalha de bronze no Mundial de 2001- Cheju-Coréia do Sul.
RT: É difícil para você conciliar os horários de treino com os horários da faculdade?
NF: Acho que com um bom planejamento a gente consegue realizar muita coisa. Eu me programo o máximo possível. No dia anterior eu já estou separando todas as roupas que usarei no dia seguinte, e olha que não são poucas. É roupa do dia-a-dia, roupa de ir para a faculdade e roupa suficiente para 3 treinos. Eu acordo às 7h, tomo o café da manhã e às 9h faço meu primeiro treino, até as 10h30; às 11h vou para a fisioterapia; almoço geralmente às 13h, e depois tenho até as 14h30 livre para ir ao banco pagar contas, etc.; às 15h treino pela segunda vez; e às 17h tenho treino físico. Chego em casa às 18h30, como alguma coisa e vou para a faculdade; chego de volta às 23h30, como alguma coisa e vou dormir. No dia seguinte começa tudo de novo.
RT: Você, que já chegou lá (ser campeã mundial), que conselho daria para aquelas que também pretendem chegar aonde você chegou?
NF: Treinar, treinar e depois treinar mais, sobretudo com muita fé, com a certeza de que vai ser campeã. Se tiver de treinar de dia, de noite, de madrugada, treine! E na hora que você estiver frente a frente com as melhores pense que elas são pessoas como qualquer outra.
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